Formação do Território
Em meados do século XVII, um povoado rural estabelecido marginalmente à Vila de Jundiaí, era ocupado em roças às margens do Rio Atibaia – suas águas banhavam, ofereciam de beber, de cultivar e de navegar, conduzindo os deslocamentos e permanências que, futuramente, se traduziriam na formação de um município.
O então bairro rural “do Atibaia” se adensou e facejou as colinas da região, a partir da embocadura do “Ribeirão Jacaré”, afluente com nascente localizada no sentido de Jundiaí, município ao qual o núcleo foi subordinado até o período de introdução da cultura cafeeira e elevação como Vila. Não demorou muito para que o território fosse promovido a Cidade e enfim alcunhado como “Itatiba”, que significa “muita pedra” na língua tupi.
Embora o ambiente natural, notoriamente, tenha sido sujeito ativo no desenvolvimento de Itatiba, os cursos d’água em zonas rurais são pouco percebidos no cotidiano e na memória coletiva, mesmo que contribuam diretamente com o abastecimento do município – portanto, ainda banham, oferecem de beber e de cultivar.
Esses córregos aglutinaram uma ocupação rural expressiva, entretanto, estão distantes “à altura do olhar” de quem ocupa e desenvolve seu cotidiano na zona urbana, pois não tangenciam sua mancha consolidada. Em alguns casos, são cursos d’água com trechos de difícil acesso e circunscritos por áreas particulares. Segundo o mapeamento da Agência Nacional de Águas, são três os principais afluentes rurais em Itatiba: o Córrego dos Pereiras, o Córrego do Moenda e o Ribeirão do Morro Azul.
Já o Rio Atibaia, que orientou as primeiras ocupações locais e é o principal manancial de abastecimento do município, passou a representar uma barreira em duas frentes: a primeira, à expansão da mancha urbanizada e, notoriamente, à instalação de equipamentos de saneamento nos núcleos existentes – que se estabeleceram a partir de um modelo fragmentado pelo território.
Imagem 01. Subdivisão de bacias municipais, mancha urbanizada e cursos d’água em Itatiba-SP
Da ponte pra lá e da ponte pra cá
Quem acessa o município de Itatiba diretamente pelas Rodovias de acesso norte (Rodovia D. Pedro, Rodovia das Estâncias e Rodovia Alkindar Monteiro Junqueira), irremediavelmente atravessa uma ponte sobre o Rio Atibaia: estabelece-se, portanto, um breve contato com suas águas e os bambuzais que emolduram suas margens, compondo uma lembrança frágil.
Imagem 02. Rio Atibaia visto sobre ponte, na região do bairro Jardim das Laranjeiras
É comum nos depararmos com uma cultura de planejamento territorial com sua atenção dedicada essencialmente sobre as áreas urbanas, atestando fragilidades na estruturação de políticas e planos específicos para as áreas rurais, que são interpretadas – inclusive na estrutura de Planos Diretores – como pura e simples oposição ao urbano. Essas lacunas de (re)conhecimento das ruralidades incidentes sobre o território refletem em um claro distanciamento entre as demandas específicas de comunidades isoladas e políticas setoriais – em suas mais diversas escalas. Em que pese a esses gargalos, as bacias hidrográficas localizadas em zona rural denotam valor sistêmico, não só local, mas regional, afinal, sabemos que os indicadores de uma bacia não se esgotam nela própria.
O Saneamento Rural
Em Itatiba, segundo o Plano de Saneamento Básico (2012), mais de 91% da área do município é considerada rural e mais de 15% da população reside nesse território. Concomitantemente, segundo o Relatório do Plano de Recursos Hídricos das Bacias PCJ 2020-2035, Itatiba está classificada nas faixas de maior população rural inadequada para esgotos.
A sub-bacia do Rio Atibaia está inserida no conjunto das Bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ e contribui direta ou indiretamente com 7 (sete) dos 20 (vinte) municípios que compõem a Região Metropolitana de Campinas, da qual Itatiba faz parte. Seu principal manancial se estende sobre um mosaico de uso e cobertura do solo heterogêneo, entre áreas de fragmento de mata relativamente preservados e áreas densamente urbanizadas.
Imagem 03. Mapa de contextualização da sub-bacia do Rio Atibaia
A Agência das Bacias PCJ, em 2021, à luz do Plano Nacional de Saneamento Rural – PNSR, desenvolveu um Termo de Referência para a elaboração de Planos Municipais de Saneamento Rural – PMSR, de modo a contemplar as necessidades de comunidades isoladas de bacias rurais – até então, pouco reconhecidas nos Planos Municipais de Saneamento Básico. Itatiba é um dos poucos municípios com um PMSR em processo de elaboração.
Saneamento e capacitação profissional
A elaboração de um Plano Municipal de Saneamento específico para zonas rurais e consequente caracterização desses territórios abre precedentes para o raciocínio de projetos – afinal, é preciso conhecer a realidade posta para, enfim, intervir. Ao mesmo tempo, somos sujeitos à escolha de uma escala de leitura dessa(s) realidade(s), uma vez que uma solução de saneamento é intimamente relacionada ao Lugar. Lugar de morar, de se arranjar em comunidade, de se relacionar com o ambiente, de produzir e de colher.
Considerando que a ruralidade é plural e que seu reconhecimento enseja o fortalecimento de uma rede de profissionais capacitados, o coletivo ATHIS na Baixada, em parceria com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) e apoio da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Itatiba, apresenta o projeto “Da Ponte pra Cá: Soluções Inovadoras e Sustentáveis de Saneamento Rural e Gestão Hídrica”, aprovado pelo CAU/SP no Edital 004/2023 (CAU Capacita).
Com três módulos, sendo o primeiro em formato virtual e de abrangência nacional, o projeto “Da Ponte pra Cá” tem por objetivo a realização de ações de capacitação em saneamento rural, no formato de curso livre de aperfeiçoamento profissional do Arquiteto e Urbanista, bem como de outros profissionais e interessados, com ênfase em Soluções Baseadas na Natureza (SbN).
As ações presenciais da capacitação serão desenvolvidas na bacia do Córrego dos Pereiras, que apresenta potencial elevado de degradação (PMGRH, 2013), incorpora núcleos rurais e loteamentos residenciais, além de contribuir para o uso industrial que se estabeleceu nas margens da Rodovia D. Pedro I, em seu baixo curso.
O Instituto de Pesquisas Ambientais – IPA, classifica toda a área de cabeceira da microbacia e parte de seu médio curso como de alta suscetibilidade potencial do solo, considerando riscos de erosão por ravinas, voçorocas, movimentos de massa, assoreamento, inundação, recalque, subsidência e afundamento cárstico. O escoamento superficial em áreas de declividade considerável, como o alto curso da microbacia, pode agravar os riscos. Além disso, é observada a incidência de estresse hídrico em períodos de estiagem.
Imagem 04. Mapa ilustrativo com indicação da localização da Bacia do Córrego dos Pereiras (destacada em amarelo).
Ementa:
O projeto busca capacitar, fortalecer o campo de atuação profissional, promover mobilização comunitária e conscientizar a população sobre bacias hidrográficas localizadas em áreas rurais. Para tanto, seu desenvolvimento será balizado pela seguinte ementa:
Módulo 1 – Formação Teórica
- Número de encontros: 3 (quinzenais)
- Carga horária: 7h e 30 minutos (2h30/encontro)
- Local: Plataforma de videoconferência
- Eixos:
- E1: Planejamento a partir de bacias hidrográficas, com ênfase na realidade da sub-bacia do Rio Atibaia, onde a micro-bacia do Córrego dos Pereiras se encontra, tangenciando as diretrizes do Plano de Recursos Hídricos das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (2020-2035).
- E2: (Re)conhecimento da micro-bacia do Córrego dos Pereiras, a partir das características gerais do território: localização, topografia, hidrografia, cobertura da terra, ocupação, abrangência do saneamento básico, dentre outros dados de relevância que serão levantados pelo Plano Municipal de Saneamento Rural no período de vigência do projeto, até o início da Formação Teórica.
- E3: Difusão de expectativas sobre a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Rural, de modo a nortear os trabalhos a serem desenvolvidos no terceiro módulo do projeto.
- E4: Reflexão sobre o papel do Arquiteto e Urbanista nas políticas públicas de curto, médio e longo prazo a serem fixadas pelo Plano Municipal de Saneamento Rural, à luz da Lei Federal n° 11.445/2007 e da Lei Federal n° 14.026/2020.
- E5: Exposição de Tecnologias Inovadoras em Saneamento Rural, com ênfase em Soluções Baseadas na Natureza – SbN’s como possibilidade de baixo custo, envolvendo transformação local e o ensejo representado pela elaboração do PMSR.
Módulo 2 – Formação Prática
- Número de encontros: 2
- Carga horária: 12h e 30 minutos
- Local: Fazenda Pereiras. Itatiba – SP.
- Eixos:
- E1: Percepção in loco do local-objeto do LabRural (Fazenda Pereiras). Nesse momento, os participantes terão a oportunidade de estabelecer contato com o principal curso d’água da bacia (Córrego dos Pereiras), de compreender as particularidades concretas da bacia e dispor escuta aos saberes locais, possibilitando uma “ponte” entre a teoria e o cotidiano.
- E2: Articulação entre os conhecimentos adquiridos na formação teórica com a realidade local. A intenção é que o grupo se organize livremente (em grupos, duplas, ou individualmente) de acordo com os objetivos de trabalho de cada um, podendo compreender, por exemplo: levantamentos, mapeamentos, elaboração de cartilhas virtuais e/ou proposições gerais – não se limitando aos exemplos expostos.
Módulo 3 – Projeto
- Número de encontros: 1 (seminário final)
- Carga horária: 2h
- Local: Sede da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Itatiba (AEAI), com transmissão virtual síncrona.
- Eixos:
- E1: Continuidade da elaboração dos trabalhos finais, durante o período aproximado de um mês
- E2: Apresentação dos resultados em seminário final, representando o fechamento do curso.
Próximos passos e inscrições
As inscrições para a capacitação serão divulgadas através das redes do coletivo ATHIS na Baixada e da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Itatiba. Os interessados poderão preencher o formulário de inscrição entre os dias 6 e 14 de janeiro/24. As ações de capacitação têm início previsto para a terceira semana de janeiro.