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“Meu papelzinho, meu endereço”: Relato da visita do dia 26 de março de 2022
“A necessidade de moradia acaba empurrando a população mais pobre cada vez mais para as franjas do perímetro urbano, a qual passa a sofrer com a inexistência ou precariedade da infraestrutura disponível. Nesse processo, assiste-se também à ocupação das áreas que se encontram fora do mercado formal, como as ocupações de áreas ambientalmente frágeis, ou inadequadas geologicamente, com situações de risco”
(AMBIENTE, p. 101), que é o caso da ocupação Bela Vista, localizada no morro Vila Progresso, em Santos.
A fim de atuar frente aos temas relacionados à habitação e ao direito à moradia, neste ano de 2022, o ATHIS na Baixada (AnB), em parceria com o Instituto Procomum (IP) e fomento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) está executando o projeto “Meu papelzinho, meu endereço”. Este projeto busca desenvolver as peças técnicas necessárias para que os moradores, com o auxílio de uma advogada popular, possam dar entrada na regularização fundiária da ocupação Bela Vista. Contamos com a ajuda de diferentes profissionais, em sua maioria arquitetas e arquitetos, mas também das áreas de serviço social, topografia, engenharia civil, direito, entre outras.
Imagens 1 e 2: Ocupação Bela Vista
Foto: Thamires Cinti
Foto: Mauro Fecco
Em um sábado ensolarado, dia 26 de março, estivemos na Ocupação Bela Vista para a realização de duas ações importantes: A primeira teve início pela manhã e convidamos a professora e topógrafa Melodie Kern para nos ensinar o manuseio do receptor GPS e nos ajudar com o levantamento topográfico da ocupação. Este levantamento é fundamental para elaborarmos os documentos necessários para que possam dar entrada na regularização fundiária do Bela Vista. Estes documentos servirão de instrumento para que se faça cumprir a garantia da permanência das quase 200 famílias naquele território, prevalecendo a segurança e dignidade das famílias.
Imagens 3, 4, 5, 6 e 7: Oficina de Levantamento topográfico
Foto: Laís Granado
Foto: Laís Granado
Foto: Laís Granado
Foto: Thamires Cinti
Foto: Laís Granado
Ao todo foram 10 pessoas, entre arquitetas e arquitetos, estudante de arquitetura, assistente social e topógrafa.
Segundo Mauro Fecco, estudante de arquitetura e urbanismo “O levantamento serviu para meu desenvolver técnico, com os conhecimentos específicos em estudos topográficos, preparação do equipamento do GPS de precisão e as anotações necessárias, como horários e pontos onde foram aplicados, delimitado por quadrantes, fundamentais para a conclusão do processamento dos dados. Tive uma grata surpresa de como fomos recebidos pela comunidade, dispostos em nos acompanhar, ajudar, sempre solícitos e cuidadosos conosco e com os equipamentos da equipe.”
Para Kauê Romão, arquiteto parceiro do ATHIS na Baixada, “a experiência com o levantamento topográfico que ocorreu no Bela Vista no último final de semana foi extremamente positiva, levando em consideração a técnica utilizada o GPS e também a aula que tivemos sobre a utilização do equipamento com a professora Melodie, super bem explicado e detalhado. Fiquei surpreso pela facilidade de manuseio do equipamento e a possibilidade de analisar os dados de uma maneira mais concreta e precisa se comparado com outros métodos de levantamento topográfico. com essas considerações, acho importante, nós como arquitetos conhecermos outros métodos de levantamento, e em específico para cada área de trabalho, para cada território e novamente, considero muito positivo pois essa técnica foi compatível com o território que estamos trabalhando devido as declividades e para uma primeira aproximação a assimilação desse aprendizado foi rápida e prática trazendo resultados positivos durante essa capacitação e posterior uso do equipamento e técnica. Ademais, outro ponto importante foi a atuação dos profissionais diretamente no local de trabalho, manuseando e trocando experiências diversas para um melhor resultado do produto final.”
Enquanto alguns aprendiam a utilizar o GPS, outros foram de porta em porta, convidar os moradores para a segunda ação do dia, uma oficina com foco em regularização fundiária, buscando caminhos possíveis para fortalecer a luta e a permanência da comunidade.
Abaixo, as arquitetas do Sem Muros, trazem um relato da oficina realizada:
“Nas últimas interações realizadas pela equipe ATHIS na Baixada com a Comunidade Bela Vista, antes da oficina do dia 26/03, houve alguns desentendimentos e conflitos quanto a questão da necessidade da regularização fundiária, e alguns moradores se mostraram discordantes quanto às vantagens do processo. As arquitetas do Sem Muros Arquitetura Integrada: Cassia Yebra, Flavia Burcatovsky e Ana Beatriz Giovani se organizaram, portanto, para tornar mais acessível o conteúdo do processo da regularização fundiária, bem como aproximar os moradores entre si e com os profissionais das equipes que auxiliarão na caminhada.
Assim, as arquitetas, em diálogo com a assistente social Thais Helena, cuja presença e participação foi essencial, desenharam uma oficina que acolhesse e trabalhasse em cima dos objetivos colocados acima.
A fim de que o maior número possível de pessoas participasse do encontro, antes da dinâmica foi realizada uma convocação digital com um folheto que foi disparado nos grupos de WhatsApp da comunidade, e o convite foi feito também presencialmente, no dia 26 durante o período da manhã, indo de porta em porta convidando quem estava em suas casas:
IMAGEM 7 e 8 – folhetos distribuídos para convocação para a dinâmica
Fonte: Desenvolvido pelo Sem Muros Arquitetura Integrada
Fonte: Desenvolvido pelo Sem Muros Arquitetura Integrada
A reunião ocorreu a partir das 14hs no bar do Profiro, um dos líderes comunitários que mobilizou gentilmente um café com bolo para cerca de 20 moradores adultos e algumas crianças que estavam presentes. De início realizou-se o resgate de um pouco do histórico do AnB no local, pedindo também para que os moradores contassem um pouco do que estão vivendo ali desde o início da ocupação até agora, frisando a importância do trabalho da advogada Gabriela Ortega e ressaltando que estamos trabalhando junto dela, cientes da dificuldade que é assimilar todo esse conteúdo,
A partir desta breve introdução, iniciou-se então a dinâmica, a fim de “quebrar o gelo” e entender melhor a configuração da Comunidade Bela Vista. Com um mapa vista de satélite e algumas referências locais, para que a espacialização dos participantes fosse facilitada, solicitou-se que cada pessoa se apresentasse marcando com uma bandeirinha o local onde reside. A ideia sugerida pelas arquitetas foi de que as casas deixassem de ser número e códigos, e ganhassem o nome daqueles que ali habitam, ou seja, que passassem a existir, de fato.
IMAGEM 9, 10, 11 e 12 – dinâmica com a comunidade no bar do Profiro
Foto: Laís Granado
Foto: Laís Granado
Foto: Cássia Yebra
Foto: Mauro Fecco
Após as apresentações, foi retomada a explicação do processo da regularização em si, ressaltando a autonomia da comunidade diante disso, e da importância de eles estarem ativos e mobilizados neste processo participativo. Explicou-se também o papel que os técnicos, no caso, as arquitetas e arquitetos estão desempenhando dentro disso, enquanto pessoas que produzirão os “mapas” e as peças gráficas necessárias para dar entrada no processo legal, e que tais desenhos serão realizados através de levantamentos que foram iniciados naquele dia, deixando claro que estes profissionais sempre estarão ali identificados com crachá e com os aparelhos de topografia.
Uma vez explicado o processo em si, com imagens, mapas e esquemas em uma lousa providenciada – usando de referência o mapa utilizado no levantamento – deu-se seguimento à dinâmica. Os presentes foram separados em grupos para que fossem discutidas e escritas em post-its as vantagens e desvantagens da regularização fundiária.
A intenção era que eles interagissem entre si, para que depois apresentassem a todos o que haviam levantado, separando coisas “boas” e coisas “ruins” que enxergavam no processo da regularização. A ideia era que fosse possível esclarecer as dúvidas e discutir questões delicadas a respeito do tema, apresentando e focando nas vantagens e nas possibilidades de resolução dos lados negativos trazidos por eles, uma vez que as coisas ruins estavam, como dito anteriormente, aparecendo com frequência nas atividades realizadas pelo AnB, como o medo de remoção, por exemplo.
Após as apresentações de cada grupo, alguns participantes começaram a levantar dúvidas, medos e inseguranças que ainda tinham, ao passo que outros moradores, já mais inteirados do processo, dialogavam explicando suas compreensões e seus pontos de defesa da regularização fundiária ali, mediados pela assistente social e pelas arquitetas.
Ao final, a atividade foi muito benéfica para o desenrolar do processo pois, além de aproximar os profissionais que estão em parceria com o AnB com a comunidade, aproximou também a discussão dos moradores a ponto de começarem a entender entre eles estratégias para que todo o debate e conteúdo ali trazidos fossem partilhados com mais moradores, a fim de agregar mais pessoas à luta. Algo marcante nas falas dos participantes durante a oficina foi o desejo de identidade e reconhecimento, o desejo de existir como cidadãos, de possuírem endereço e poderem ser vistos não mais como uma ocupação ou invasão, mas como a Comunidade Bela Vista; por este motivo, o mapa interativo teve muita adesão e contribuirá muito para os próximos passos.”
A intenção é que seja possível realizar o projeto de forma mais participativa possível, ou ao menos representativa.
O engenheiro civil Celso Sampaio coloca que “O projeto de regularização é feito após a consolidação do assentamento. É um desenho que representa o que existe de fato, na realidade. Qualquer alteração na proposta existente, como abertura ou alargamento de vias para implantação ou complementação da infraestrutura, obras de contenção de encostas, canalização de córregos e, principalmente, reassentamento de moradias, só deve ser feita com a participação e concordância dos moradores do assentamento.” (AMBIENTE, p. 78).
Portanto, o processo de regularização fundiária deve ser feito em conjunto com os moradores e lideranças, pois é um processo que envolve o saber técnico em consonância com o saber local.
Enquanto alguns estavam na oficina, outro grupo de arquitetos continuava a realizar as medições necessárias para o levantamento topográfico. As ações se estenderam até às 17:00, com direito a uma cervejinha pra fechar o dia de trabalho.
O objetivo era retornar no dia seguinte pela manhã para dar continuidade ao levantamento, porém domingo choveu o dia inteiro, o que impossibilitou a realização do trabalho, visto que o equipamento topográfico não pode ser submetido à chuva.
Agradecemos a cada um e cada uma que estiveram presentes, fortalecendo a luta e buscando entender, junto com a gente, um caminho possível para o Bela Vista.
REFERÊNCIAS
AMBIENTE TRABALHOS PARA O MEIO HABITADO: Capacitação para assessoria técnica na regularização fundiária de interesse social (livro eletrônico) / organização Mariana Evelyn de Souza Inada, Henrique Salva Geddo, Cleonice Dias dos Santos Hein. — São Paulo, 2021. PDF